sexta-feira, 7 de novembro de 2008


Outro texto sentido agora baseado no texto: “Freud e a educação” de Ma. Cristina Machado Kupfer. O texto fala do desenvolvimento psicossexual da criança e toda energia gasta para a diferenciação sexual e mudança de objeto advindos dos conflitos edipianos, a partir daí, a criança está voltada para o mundo e para o conhecimento. A fase dos "porquês" é exemplo típico desta fase...também baseados em fatos reais...


Em uma estrada entre Fortaleza e o Rio de Janeiro:
- mãe..?
- oi?
- Falta muito pra gente chegar no Rio?
- Falta um pouquinho filha...
- Um pouquinho quanto?
- Umas três horas.
- Então é um pouquinho muito? Como é um pouquinho muito, se um pouquinho é pequeno?
- Ai meu deus, um pouquinho é o modo de dizer...
A mãe pega o mapa e mostra pra filha:
- Olha só... Nós devemos estar aqui e temos que chegar aqui, nesta cidade.
-Mas como você sabe que estamos aqui, se aqui não tem nada?
- É só uma idéia pra você entender, entendeu?
- Acho que sim!
Cinco minutos depois:
-Mãe?
-Hein?
-Quanto falta pra chegar?
-Um pouco menos que da ultima vez que você me perguntou. Por que você não conversa com a sua irmã, ou brinca de alguma coisa com ela?
- por que ela ta dormindo.
- e por que você também não dorme?
- por que ainda não é de noite e eu não estou com sono!
- então fica quietinha...
- mas eu to enjoada... Por que eu to enjoada se a gente nem está rodando?
- por causa do movimento do carro, respira fundo e segura essa chave, olha com bastante atenção pra ela que o enjôo passa... Respira, respira...
Depois de uns dez minutos segurando a chave, a menina pergunta:
- Como é que uma chave cura um enjôo se eu nem comi ela, pra passar?
- Filha, chave não é remédio, isso é uma simpatia.
- E o que é simpatia?
- É uma coisa que a gente faz que resolve alguns problemas, é meio mágico sabe...
- Você disse que não fazia mágica. Uma vez quando eu perguntei por que você não comprava aquela boneca, ai você falou que não tinha dinheiro na carteira e eu falei que queria, e você disse que só podia com dinheiro e eu falei pra pegar o dinheiro e você falou: você acha que eu faço mágica e o dinheiro aparece? Então você naquele dia não sabia fazer mágica...
O pai ri da conversa, mas não interfere. A mãe já sem paciência, mas tentado contornar chatice de longas viagens de carro, mostra um urubu voando no céu:
-Olhá lá um monte de urubus, láááá longe no céu...
-Cadê?
-Lá, olha...
- e como que eles não ficam tontos se eles voam rodando.
-Por que eles voam assim mesmo, eles devem estar procurando comida, e devem ter achado alguma coisa, daí ficam rodeando até poder descer e comer?
- mas onde eles vão comer se aqui não tem nada?
-Ah sei lá, deve ter algum bicho morto por lá.
-Eeeeccca, bicho morto? Por que eles comem bicho morto?
- Por que é o prato preferido deles.
-e como não dá dor de barriga neles?
-Por que o estomago eles está acostumado?
- o que é estomago?
- é um órgão que fica na barriga pra onde a comida vai e de lá ela vira vitaminas pra todo o corpo.
A menina intrigada com a infinita possibilidade de perguntas diante deste novo dado, tenta organizar a ordem que vai começar a nova bateria.
A mãe apavorada com a infinita possibilidade das perguntas que estariam por vir, vira-se e pergunta ao pai:
- Falta muito pra gente chegar no Rio?

A Oradora


Escrevi este texto baseado em outro texto: "A sociedade (A escola). O seu papel patogênico ou profilático” de Maud Mannoni, para uma disciplina de psicologia escolar. É um texto sentido, ou seja, um texto que se cria a partir de reações que outro texto te desperta. ah! é baseado em fatos reais...


Eu tinha entre 5 e 6 anos. Ainda não sabia ler direito, as palavras me atraiam, eu as conhecia, mas ainda não as dominava.
Fim de ano! Um sorteio! Parabéns, Marta, você será a oradora na festa dos doutores do ABC. Fiquei radiante! Até dei minha tampinha de refrigerante premiada para o colega que tirou meu nome do saquinho. Alguns colegas ficaram tristes por não terem tanta ‘sorte’ quanto eu, eles queria ser os oradores.
Eu pensei com meus botões...o que era ser orador? Ah! Não interessa, deve ser coisa boa, pois todos queriam ser, a ‘tia’ estava tão feliz e me disse que meus pais ficariam orgulhosos de mim... Então deve ser muito bom ser oradora da turma, Né???
Cheguei em casa, contei a grande novidade e confirmei no olhar dos meus pais o tal orgulho que a ‘tia’ havia falado. E fui brincar... Pra quê perguntar o que era ser oradora, se eles tinham ficado tão orgulhosos de mim????
Uns dias antes da festa a ‘tia’ me entregou um texto, de talvez uma lauda, nem lembro, que pra mim parecia uma tese de doutorado, e era! Afinal a festa não era doutor do ABC?? Muitas palavras juntas! Humm... isso deve ser importante, pois textos importantes não tem figuras desenhadas, que bom, se vou ler isso, eu também devo ser importante e todos vão ficar orgulhosos de mim.
Chegou o dia! Era um sábado, acordei tarde e fui brincar com meus primos. Minha mãe algumas vezes perguntou se eu já tinha lido e ensaiado o texto da ‘tia’ e eu nem aí...eu ia ser oradora e isso bastava!!! Tudo pronto lá estava eu de beca vermelha com letras brancas, sapatos pretos de verniz, com padrinho de formatura, só esqueceram uma coisa...de me dizer o que era ser oradora! Com o discurso debaixo do braço, fui pra festa!
Desta parte me lembro em flashes, não sei se de pavor ou porque realmente havia faltado luz ou o lugar estava mal iluminado, não sei... Me chamaram ao palco, e só ao subir eu tive a dimensão do numero de pessoas que estava lá para me ouvir ler, para mim o mesmo numero de pessoas numa decisão de campeonato local, umas 60 mil pessoas... Nunca tinha visto tantas pessoas me olhando, senti todo o peso do mundo em cima de mim, mas eu era oradora e não podia decepcionar meus pais e a ‘tia’. Meu Deus! Eu queria a minha mãe!!!!!!
O texto chegou as minhas mãos e agora? Agora lê filhinha! E eu li, do meu jeito, errando tudo, soletrando muito, e gaguejando horrores... Quando errava queria começar tudo de novo, desde o início do texto, o que gerava muitos risos. Por sorte minha platéia era amigável e os risos eram divertidos. Neste momento, com toda imaturidade da minha idade e pânico, percebi que conseguia fazer as pessoas rir e usei isso como estratégia pra não ler todo o discurso, afinal ninguém tinha a noite toda para me ouvir ler... A diretora da escola, no fundo querendo me matar (deve ter perdido todas as matrículas da alfabetização pro ano seguinte!), fez a gentileza de me pedir pra ler o final logo, com os agradecimentos, aos meus pais, professores, ajudantes, a moça da cantina e etc. (não tinha Xuxa nessa época!)
Aquele momento foi muito importante pra mim. Eu aprendi a rir, a levar as situações difíceis da minha vida com humor, mas poderia ter sido desastroso se a platéia fosse hostil. O humor é mágico, ele nos permite sair de uma posição passiva, de ‘vítima’, para uma posição de agente, de agir sobre o que nos faz sofrer, de rir disso.
A festa foi toda organizada, nos mínimos detalhes, só que ninguém percebeu a gravidade da situação, o perigo que me colocaram sem a menor preparação, sem a menor preocupação comigo, se eu queria fazer aquilo, sobre minhas possíveis dificuldades de falar/ler em público. Isso poderia ter me provocado danos sérios.
Eram pessoas despreparadas para lidar com crianças. Não eram profissionais, a professora era uma moça com boa educação que não tendo formação e sendo muito nova ia nos ensinar, a diretora...deve ter resolvido trabalhar fora, numa época que poucas mulheres se aventuravam...pedagogia??...nunca ouvir falar disso lá.

Éramos: “crianças submetidas às engrenagens anônimas de uma máquina administrativa”; “Como assegurar a substituição dos antigos, que, não os respeitando (os jovens), lhes inculcam o irrespeito por si próprios e pela sua imagem futura.” ; “os efeitos neurotizantes da vida escolar sobre crianças...”
O que pode ter salvado (em termos) esta geração, a minha geração, foi a possibilidade de brincar, na rua, uma certa liberdade, hoje proibida, e que nos permitiu através do brincar atuar e simbolizar nossos conflitos, tristeza e medos.